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terça-feira, 5 de maio de 2009

RENÚNCIA MATERNAL


A senhora ofegante agoniza no leito.
Ministrara-lhe o filho
Para acalmar-lhe a dor medicação suposta...
Agora compreendia...
Era um crime perfeito
E o coma inesperado
Atingia-lhe, em cheio, por resposta:
Ali estavam ambos. Noite alta.
O rapaz não percebe
Toda a extensão da própria falta.
Na câmara trancada, ela jaz consciente;
Não teria suposto o filho amigo e inteligente
Que ela criara aos mimos,
Entre risos e beijos,
Para brilhar nos grandes cimos
Do campo social,
Capaz de impor-lhe assim,
Tão doloroso fim
Na moldura do mal.
Ao derradeiro olhar da vítima que sofre,
O rapaz abre o cofre
E retira o dinheiro ali depositado,
Além da grande soma de contado,
Ele, o moço infeliz,
Furta os brilhantes e os rubis,
Os adereços de ouro, as pedras raras
E as coleções mais caras
Que falavam tão alto ao coração materno...
Vendo que a genitora nele fixa o olhar piedoso e terno
Ao entregar-se a morte,
Ele, calmo, efetua o lúgubre transporte
Do tesouro que passa a usufruir
Para local
Que ninguém, mas ninguém da moradia enorme
Poderá descobrir
Logo depois, enquanto a casa dorme,
Ante a mãe morta, agora enrijecida,
Ele prepara a cena pela qual
Ela será interpretada
Na condição de pobre dementada
E doente suicida.
Por detalhe final
Coloca junto dela
Uma taça de estranho corrosivo,
Um veneno letal
Tisnando o guaraná inofensivo.
Em seguida, abre a porta,
Conclama servidores,
Grita clamando a dor que o desconforta,
Diz que a mãe se fizera
Lamentável suicida,
Por sofrer grande tédio em toda a vida...
Roga estejam presentes
Autoridades competentes,
E, após o barulhento funeral,
Ei-lo rico, afinal,
Na sede de fazer no mundo o quiser,
Sem recordar sequer, que acima das criaturas e das cousas
Outra vida palpita além das lousas.
Mas, no Além, oh! Segredo soberano,
Aquela mãe liberta,
Sente falta do filho desumano,
Reconhece que o ama e nota que o perdoa,
Imensamente terna e imensamente boa...
Mostrando o coração por brilhante luzeiro
Ante as Mansões da Paz, encontra um mensageiro
Que lhe oferece os Céus por recompensa...
Ela, porém, humilde,
Disse não esperar
Poder subir, sozinha, aos sóis do Eterno Lar;
E porque o mensageiro lhe indagasse
Sobre o que mais desejaria,
A explicar-lhe
Que o mérito alcançado
Não lhe impunha incerteza ou qualquer empecilho.
A pobre replicou, timidamente:
- Creio eu que o Senhor
Coloca o nosso céu onde está nosso amor!...
Anjo bom, se Jesus terno e clemente,
Pode ainda me ouvir, por imensa piedade,
Quero dizer que não desejo
Outra felicidade,
Outro céu e outro brilho,
Nem qualquer redenção,
Além da permissão
De voltar para a Terra e proteger meu filho!...
Lembra a moeda, tida
por singela: escorada na
fé que te bendiz,
transforma-se na xícara
de leite que socorre e
refaz a criança infeliz.


MARIA DOLORES

Do livro Coração e Vida, psicografado por Francisco Cândido Xaxier

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