O público, no júri, ouvia atento...
Um moço pobremente apresentado
Era o terrível réu em julgamento.
Prosseguia a falar o promotor:
- Senhores do conselho de sentença
A casa da justiça é uma casa que pensa.
Certo, já conheceis
O perigoso salteador
Que temos sob a vista,
É homicida e ladrão
Quer, por vezes, passar por jovem cientista,
Furtando assinaturas,
Falsificando documentação...
Não tem vinte e seis anos de contado
E não passa de reles celerado.
Se vos escravizais à compaixão cediça,
Que será da justiça?
Representais aqui toda a comunidade,
Examinai o delinqüente,
Estudando á vontade
O processo que o mostra claramente.
E condenais sem medo,
Sem que o falso carinho vos degrade
O sentido de ordem, de defesa
Contra o império do mal
Que ameaça ferir a natureza,
De maneira fatal...
O silêncio pesou, na sala imensa,
Toda a assembléia escuta, extática e suspensa.
Por fim, o promotor, depois de grande pausa,
Anunciou em voz tonitroante:
- Aos senhores jurados neste instante,
Peço a condenação do réu em causa.
Antes, porém que o tribunal
Fosse parlamentar em confidência,
Uma senhora idosa da assistência
Extremamente pobre por sinal,
Ergue-se e diz:
Senhor Juiz, rogo o vosso perdão mas serei breve.
Sou eu a testemunha não ouvida,
Muito embora arrasada, ante os golpes da vida,
Eu sou a mãe do réu passível de sentença.
Há muito tempo, eu fui uma jovem simplória,
E o senhor promotor
Era um moço robusto, um jovem de talento.
Amamo-nos os dois, com redobrado ardor,
E tivemos um filho,
Fora do casamento:
- O réu que há nesta sala...
Mas, chegando a criança
Ele me abandonou, matando-me a esperança
De um lar que nunca tive e que sempre sonhei...
Entreguei-me ao serviço
E meu filho cresceu, sem saber disso.
Fiz-me, para cria-lo, humilde lavadeira,
Sofrendo privações a vida inteira...
Dei a meu filho a escola, o sustento, o agasalho,
Mas não pude guia-lo às bênçãos do trabalho.
Faltou-lhe o pai à vida e para dar-lhe o pão,
Passei toda a existência em dura servidão...
Nunca vendi amor, nunca fui prostituta,
Vivi de sacrifício, entre a doença e a luta...
E aquela estranha voz
Que demonstrava em si padecimento atroz,
Prosseguiu: - Excelência,
Como julgar por nós as tramas da existência?
Meu filho, o triste réu, é um pobre vagabundo,
O promotor que acusa é o pai que o pôs no mundo...
E acrescentou, em pranto:
- Por que Deus fez as mães para sofrerem tanto?
Por que, senhor Juiz,
Tenho um filho que adoro
Para vê-lo tão triste e desprezado,
Tão sozinho e infeliz?
O Silêncio caiu na sala imensa,
Ninguém se levantou, nem se moveu,
Toda a comunidade emudecera...
Mas o Juiz discreto usa o lenço em que estanca
O pranto que lhe encharca a longa barba branca...
E homem de consciência limpa e nobre coração
Muito embora chorasse,
Mostrando a imensa dor que lhe cobria a face,
Declarou desejar a revisão
Do processo, de todo, ainda não julgado,
Depois, ergueu-se trêmulo, cansado,
E adiou a sessão.
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